terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sinal



Estou cansado de pensar. Saio de casa.

Para que? - O sinal está aberto. - Para refletir.

Refletir sobre o reflexo que seus olhos tiveram em mim e que faz meu cérebro trabalhar como um escravo, sem condolências ou descanso do resto do meu corpo, eu sinto minha cabeça rachar, reflexos de uma noite sem sono.

Uma marra não me destruiria mais que meus pensamentos.

Pensar é suicídio, imperdoável como dizem, mas mesmo assim ainda somos estúpidos o suficiente para cometer o pecado de pensar nas turbulências que não seremos capazes de superar.

Não sem ajuda.

Dê-me a sua mão.

Me carregue para onde eu não possa me sentir sóbrio por muito tempo pois, refletir (essa palavra novamente) faz do tolo sábio, nem que seja por um mortal segundo, e sábios têm problemas existenciais por não saberem o suficiente para manter suas mentes vazias.

Belos olhos que me dominam. Podem eles ver através dos meus olhos cansados?

Eu sei que me cominam de revelar todos os segredos que mesmo eu desconheço. Sinto-me desnudo de minha capacidade trivial de executar o mínimo raciocínio que seja. Existe uma mácula de anseios se dispersando por todo o meu corpo, já maculado pelo reflexo dos teus olhos e pela tua retórica sobrenatural, que só não é tão poderosa quanto o teu semblante possuidor de olhar penetrante.

Então... Reflito sobre os meus anseios? Palavra forte essa...

O sinal está fechado.

Sou capaz de atravessar essa rua agora?


Crescimento



Aos poucos a parede está cedendo. Seria isso um inicio ou o fim? Talvez ambos. O contraste do fim de uma era conturbada, mas produtiva, com um epitáfio à epílogo, e o surgimento e ascensão de uma prole embriagada em sonhos, igualmente produtiva, mas de certa forma, inesperadamente mais experiente com esse fado... Ou seria fardo a palavra mais adequada para essa situação?

Sinceramente? Não me importa. De uma forma ou de outra é algo que terei de encarar, mesmo sitiado pelo medo e as dúvidas que me são exacerbadamente assíduas. A diferença é que agora consigo dormir, graças a sua diligência.

E o mais importante, consigo acordar para enfrentar a aurora do novo dia, tão absurdamente bela para alguns, e tão assustadoramente dúbia para mim, mas não me corromperei, não negarei o que eu disse, caminharei sobre esse dia, enquanto meus questionamentos estarão sob minha sola. Serão apenas pegadas, que podem ser seguidas, mas não fielmente acompanhadas, utilizadas apenas para chegar com atraso à minha mente que já está em um lugar distante, onde ostento essa nova era com minha voz.

Se expanda, cresça, exceda a impermeabilidade do mundo que antes eu temia, agora eu apenas respeito e me sobressaio confiante... não que tudo vai dar certo, mas confiante de que agora estou pronto para olhá-lo nos olhos.


Ah... carnaval!



Ah, carnaval! Mata, engorda e faz mal. Você ainda tem alguma dúvida?! Liga a televisão! Acabo de testemunhar uma reportagem sobre a morte de duas garotas que foram atropeladas por um trio elétrico. Sim, atropeladas por um trio elétrico. Atropeladas. Por um trio elétrico. Após ler isso colega, você está se sentindo bem? Não é coincidência, eu também não estou.

Depois dessa, nem preciso lembrar dos homicídios nas estradas do Brasil inteiro. Isso mesmo, homicídios culposos que já viraram clássicos de um terror embriagado que está em cartaz todo ano. Está anunciado. Todos sabem que vai acontecer. Mas como eu comentei antes, não é necessário resgatar o tópico, vão falar sobre isso na sua T.V. em breve. Ou será que já estão falando? Dá uma olhada.

Você deve estar se perguntando, “Realmente mata e faz mal... mas engorda?”. Sim. E a maior prova disso é essa cerveja que me encara timidamente, com ares de culpada. “A culpa é sua mesmo!”, eu digo. Jogo a culpa toda nela. Mas ela é muito esperta e me responde categoricamente: “Quando um não quer dois não fazem”.

Mentira.

Sou forçado. Ela me estupra. Possuindo-me enquanto grito por alvedrio.

Mentira de novo. Temos um namorico.

E assim vou engordando e tragando esse tédio grotesco de carnaval. É... Você já deve ter percebido que não sou chegado nessa festa pictoricamente sensível à vermelho sangue. Desde moleque era assim. E desde aquela época me olham como olhariam para um político que tentasse “trabalhar” todos os dias da semana. “Cara, você existe? Esse carnaval vai ficar na História!”.

Com certeza.

O carnaval é uma tradição que tem seus primórdios marcados na História mundial!

Pois é, nesse país tropical abençoado por Deus, o Bolsa Família é a sofisticação do pão romano e o carnaval é nosso circo. Mas vejam só! Superamos Roma humilhantemente: não temos apenas um Coliseu, mas dois! O Marquês de Sapucaí e o Anhembi. Pena que são vulgarmente chamados de Sambódromos.

Ah! Quase esqueço.

As feras estão menos espertas, entretanto continuam desfilando com uma ferocidade nua. E claro que, literalmente, as bestas continuam nuas em público, natural, como qualquer animal que não tem a capacidade de refletir sobre o próprio raciocínio.


Encontro



Era a solidão e uma grande quantia de timidez figuradas em um só homem. Trinta e dois anos, divorciado, sem filhos e, como exclusiva companhia em sua casa, nosso herói tinha: a internet. Nada mais.

O maduro ser sucumbia nas salas de bate-papo à procura do solene amor. Era esse o derradeiro recurso de uma pessoa extremamente tímida que conseguia se expressar, apenas, em frente a um monitor. Salvo temporariamente da sua timidez ele até conseguia conversar com um número vultoso de pessoas. Ainda assim, ninguém interessante. Nenhum de seus relacionamentos virtuais vingava, até aquele dia.

Uma mulher com uma conversa inteligente e bastante interessante finalmente entrou em contato. Ela afirmava ter visto o perfil dele no orkut e apreciado muito. Achava-o atraente em todos os sentidos. Animado, o esperançoso foi conferir a página da moça também, que tinha tudo com que ele sempre sonhou, havia se depararado com a tão idealizada alma gêmea, encontrando-se até as mesmas veleidades. O único problema era a falta de uma foto no perfil dela. Daí a dúvida: Como fariam para se encontrar? A sua “paquera” descreveu-se morena, corpo escultural, rosto repleto de serenidade e beleza, usaria um “tomara-que-caia” branco e calças jeans. Estaria esperando-o em um banco em frente ao cinema. Superando todos os medos e acanhamentos o auspicioso aceitou prontamente e viu naquele encontro seu renascimento. Era a vida fluindo em seu corpo com intensidade mais uma vez.

Na data, hora e local combinado veio o impacto, a decepção. Ele não havia se aproximado muito, de uma distância segura pôde ver. No banco escolhido para o encontro, estava uma morena. Entretanto nada escultural: era obesa! Seu rosto parecia estar ao avesso e voltado direto e constantemente para o sol devido à deformidade de sua face feia. Usava um “tomara-que-não-caia-jamais-nem-por-acidente-ou-vontade-própria” branco e um jeans prestes a explodir que devia ter brotado ali, pois o decepcionado não imaginava como aquilo havia sido vestido.

Derrotado pela maldita mentira que se fazia presente, nosso herói foi embora, voltou para a já conhecida e odiada solidão. Jamais deveria confiar em conversa via web, passaria a ser como Tomé.

Dez minutos atrasada, uma morena dotada de um corpo atrevidamente perfeito e um rosto angelical sentou-se ao lado de uma figura adiposa com vestes toscamente semelhantes às suas e passou a esperar alguém que não viria jamais.


O dom da feiúra



A fealdade pode ser um fardo de imensa tristeza e revolta para muitos indivíduos providos de tal característica. A maioria esmagadora da população nega a própria feiúra, maquilando-se dos pés até o alisamento da última ponta dupla, ou tripla, de seus cabelos. Existem ainda aqueles clássicos cidadãos extremamente belos que costumam rebaixar-se a uma inexistente falta de beleza na esperança de angariar alguns elogios.

Devo agora também dizer, caro leitor, que não assumirei que sou desprovido de beleza para aliciar algumas demonstrações contraditórias de amizade ou amor envolvidas de pura pena e piedade (como muitos fazem), pois realmente não preciso disso. Seria contraditório, já que vejo o lado bom da coisa!

Ter amigos, namorada e uma boa fama é incontestável e extremamente bom, entretanto, tal benevolência pode ser realçada ainda mais se você for feio. É uma questão de raciocínio e experiência própria. O amor se mostra puro, intenso e sincero na sua verdadeira forma, afinal apenas muito amor para superar esse “defeito” do ser amado.

Em outro caso, a companhia daquele seu amigo feio em âmbitos variados, mostra que você não tem vergonha nem ressentimento de perder uma boa garota, que não irá se aproximar de vocês devido à relutância de uma amiga que a esteja acompanhando em ter de suportar a deslealdade com a beleza do seu amigo. Isso exaltará e fortalecerá a amizade.

Muitas pessoas têm aversão a esse inestimável dom, sim, porque, na verdade, a fealdade é um dom divino de muito mais valor que a beleza de Narciso, e as aversões tornam-se injustificáveis. Mesmo assim, elas existem. Nessas condições, ser considerado, ser querido e ser aclamado pela sociedade também mostra que o feio é realmente um “cara” de incomensurável estima e de fato todos gostam dele.


segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O rosto dela



Se não fosse pela alternação de luzes em sua face, eu não faço idéia de quando teria percebido a silhueta do perfil que me hipnotizou de uma forma estranhamente potente e dominadora.

Naquele momento, nada mais do seu corpo conseguiu reter minha atenção.

O contorno do seu rosto era algo absurdo. Quero saber o porquê de encaixes que me agradaram tanto. Seguindo o sul das têmporas a maciez de suas maçãs clamava por atenção, imediatamente cedida.

A ligação de suas bochechas com seu queixo fora feita sob encomenda de algum ser superior no auge do perfeccionismo. Novamente sua pele ganhava mais e mais destaque com o piscar das luzes e eu, atordoado, fitava seu semblante sem palavras. As palavras me fugiam. As ações então, me abandonaram por completo.

Em forma de véu, seus lindos cabelos realçavam ainda mais seus olhos. Seriam esses olhos dóceis e vivos os mais expressivos que eu já vi? Não encontro mais palavras para defini-los. Nem ouso mais tentar.

Foi nesse momento que os notei. Eram diferentes dos que já tinha visto. Eram diferentes dos que já imaginei. Dotados de um magnetismo fora da realidade, os lábios pareciam prestes a formar palavras. Eu me empenhei em ouvi-las, apesar do descontrole que sentia. E elas vieram suavemente potentes:

- Que é, porra?

Risos. A noite é uma criança, de fato. E ela brinca comigo alegremente.